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domingo, 16 de setembro de 2012

A Sacralização do Conhecimento Científico

A análise epistemológica contemporânea tem levado a compreensão da atividade científica como um procedimento que admite falhas.

            Esse questionamento tem relativizado o conhecimento científico em relação aos outros tipos de conhecimento jogado a luz sobre o processo de conhecer, que não depende exclusivamente a atividade lógica. É interessante a observação de Einstein sobre esse tema:

 Não existe nenhum caminho lógico que nos conduza às grandes leis do Universo. Elas só podem ser atingidas por meio de instituições baseadas em algo semelhante a um amor intelectual pelos objetos da experiência.                                          
(Albert Einstein)

Mito da ciência

Apesar disso, a ciência ainda é um mito. O pensador brasileiro Rubem Alves chama a atenção para o perigo de mitificar a ciência e os cientistas. Ele afirma:

O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência.

Se existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam.
                                               (Rubem Alves)

            Ao fazer essa observação, Rubem Alves propõe algumas questões em relação ao conhecimento científico e ao poder que esse conhecimento adquiriu na sociedade contemporânea:

  • A primeira diz respeito à diferença entre o conhecimento científico e o conhecimento comum, isto é, o senso comum, da maioria das pessoas: será o conhecimento científico superior?
  • A segunda diz respeito ao estatuto do conhecimento científico, encarado como modo de pensar correto: será a ciência sempre correta, perfeita absoluta?
  • A terceira se refere propriamente ao poder que o saber cientifico confere a quem o detém, poder de induzir o comportamento das pessaos e se autoproclamar conhecedor da verdade sobre determinados assuntos: será o cientista neutro?

A questão da superioridade

            Quanto a primeira questão, vimos, ao tratar das formas de conhecimento, que o senso comum se caracteriza por certa ausência de fundamentação, por uma aceitação acrítica ou pouco criteriosa daquilo que parece ser a verdade para as pessoas em geral. A ciência, por sua vez, seria, ao contrário, a busca dessa fundamentação a procura rigorosa dos nexos e relações entre os fatos observáveis de forma a encontrar a razão de ser dos fenômenos estudados.
            No entanto, essa oposição tão rígida, que culmina numa valorização da ciência em detrimento do senso comum, não corresponde exatamente à prática do acesso ao saber. Em outras palavras, nem o senso comum é tão ingênuo quanto costuma ser pintado, nem a ciência é tão rigorosa e infalível quanto se apresenta.
            Primeiramente não devemos esquecer que as observações que levam ao conhecimento científico nascem de problemas com os quais o senso comum lida, a ponto de o economista sueco Gunnar Myrdal (1898-1987) Afirmar que “a ciência nada mais é que o senso comum refinado e disciplinado”.
            Mas também devemos considerar que o comportamento científico se distingue do senso comum por não se manter preso às primeiras observações, indo além do observável ao promover a elaboração de teorias que, por vezes, atingem tal complexidade que foge ao entendimento comum. É o próprio Myrdal que afirma também: “Os fatos não se organizam em conceitos e teorias se simplesmente os contemplarmos”.
            Isso significa que o trabalho científico envolve outros elementos, além da observação: o levantamento de hipóteses, experimentações, generalizações, até se constituir em teorias, que são abstrações razoáveis acerca do observado.
            Apesar de suas diferenças, o problema da oposição extremada entre o senso comum e ciência se deu a partir do positivismo, que valorizou exageradamente o saber cientifico em detrimento de outras formas de conhecimento, como o mito, a religião, a arte e até a filosofia. O positivismo criou o mito do cientificismo, a idéia de que o conhecimento científico é perfeito, a ciência caminha sempre em direção ao progresso e a tecnologia desenvolvida pela ciência pode responder a todas as necessidades humanas.

A questão da correção

            Com isso, chegamos à segunda questão: o estatuto do conhecimento científico. Será ele sempre o perfeito, o mais correto? A reflexão sobre o assunto indica que não.
            Não há como vimos, certezas absolutas em relação à validade de nenhuma teoria científica. Essa é uma das questões mais debatidas entre filósofos da ciência e cientistas. Muitos deles encaram a ciência como uma atividade continua e não como uma doutrina enrijecida pela pretensão de ser atingido um saber perfeito e absoluto.
            Além disso, a complexidade dos fenômenos é uma interrogação sempre constante no campo do conhecimento científico. Os muitos problemas ambientais decorrentes da ação tecno-científica são exemplos dessa incapacidade da ciência de tudo prever.

A questão da neutralidade

            Por fim, chegamos à terceira questão aqui levantada: a relação entre saber e poder.
            O conhecimento científico não é neutro, e o seu uso é menos neutro ainda. A produção científica insere-se no conjunto dos interesses das sociedades. E, frequentemente, é direcionada por verbas e financiamentos vinculados aos objetivos dos grupos que exercem poder social.

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