A análise epistemológica contemporânea tem levado a compreensão da atividade científica como um procedimento que admite falhas.
Esse questionamento tem relativizado o conhecimento científico em
relação aos outros tipos de conhecimento jogado a luz sobre o processo
de conhecer, que não depende exclusivamente a atividade lógica. É
interessante a observação de Einstein sobre esse tema:
Não
existe nenhum caminho lógico que nos conduza às grandes leis do
Universo. Elas só podem ser atingidas por meio de instituições baseadas
em algo semelhante a um amor intelectual pelos objetos da experiência.
(Albert Einstein)
Mito da ciência
Apesar
disso, a ciência ainda é um mito. O pensador brasileiro Rubem Alves
chama a atenção para o perigo de mitificar a ciência e os cientistas.
Ele afirma:
O
cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o
comportamento e inibe o pensamento. Este é um dos resultados engraçados
(e trágicos) da ciência.
Se
existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os
cientistas), os indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem
simplesmente fazer o que os cientistas mandam.
(Rubem Alves)
Ao fazer essa observação, Rubem Alves propõe algumas questões em
relação ao conhecimento científico e ao poder que esse conhecimento
adquiriu na sociedade contemporânea:
- A primeira diz respeito à diferença entre o conhecimento científico e o conhecimento comum, isto é, o senso comum, da maioria das pessoas: será o conhecimento científico superior?
- A segunda diz respeito ao estatuto do conhecimento científico, encarado como modo de pensar correto: será a ciência sempre correta, perfeita absoluta?
- A terceira se refere propriamente ao poder que o saber cientifico confere a quem o detém, poder de induzir o comportamento das pessaos e se autoproclamar conhecedor da verdade sobre determinados assuntos: será o cientista neutro?
A questão da superioridade
Quanto a primeira questão, vimos, ao tratar das formas de conhecimento,
que o senso comum se caracteriza por certa ausência de fundamentação,
por uma aceitação acrítica ou pouco criteriosa daquilo que parece ser a
verdade para as pessoas em geral. A ciência, por sua vez, seria, ao
contrário, a busca dessa fundamentação a procura rigorosa dos nexos e
relações entre os fatos observáveis de forma a encontrar a razão de ser
dos fenômenos estudados.
No entanto, essa oposição tão rígida, que culmina numa valorização da
ciência em detrimento do senso comum, não corresponde exatamente à
prática do acesso ao saber. Em outras palavras, nem o senso comum é tão
ingênuo quanto costuma ser pintado, nem a ciência é tão rigorosa e
infalível quanto se apresenta.
Primeiramente não devemos esquecer que as observações que levam ao
conhecimento científico nascem de problemas com os quais o senso comum
lida, a ponto de o economista sueco Gunnar Myrdal (1898-1987) Afirmar
que “a ciência nada mais é que o senso comum refinado e disciplinado”.
Mas também devemos considerar que o comportamento científico se
distingue do senso comum por não se manter preso às primeiras
observações, indo além do observável ao promover a elaboração de teorias
que, por vezes, atingem tal complexidade que foge ao entendimento
comum. É o próprio Myrdal que afirma também: “Os fatos não se organizam em conceitos e teorias se simplesmente os contemplarmos”.
Isso significa que o trabalho científico envolve outros elementos, além
da observação: o levantamento de hipóteses, experimentações,
generalizações, até se constituir em teorias, que são abstrações
razoáveis acerca do observado.
Apesar de suas diferenças, o problema da oposição extremada entre o
senso comum e ciência se deu a partir do positivismo, que valorizou
exageradamente o saber cientifico em detrimento de outras formas de
conhecimento, como o mito, a religião, a arte e até a filosofia. O
positivismo criou o mito do cientificismo, a idéia de que o conhecimento
científico é perfeito, a ciência caminha sempre em direção ao progresso
e a tecnologia desenvolvida pela ciência pode responder a todas as
necessidades humanas.
A questão da correção
Com isso, chegamos à segunda questão: o estatuto do conhecimento
científico. Será ele sempre o perfeito, o mais correto? A reflexão sobre
o assunto indica que não.
Não há como vimos, certezas absolutas em relação à validade de nenhuma
teoria científica. Essa é uma das questões mais debatidas entre
filósofos da ciência e cientistas. Muitos deles encaram a ciência como
uma atividade continua e não como uma doutrina enrijecida pela pretensão
de ser atingido um saber perfeito e absoluto.
Além disso, a complexidade dos fenômenos é uma interrogação sempre
constante no campo do conhecimento científico. Os muitos problemas
ambientais decorrentes da ação tecno-científica são exemplos dessa incapacidade da ciência de tudo prever.
A questão da neutralidade
Por fim, chegamos à terceira questão aqui levantada: a relação entre saber e poder.
O conhecimento científico não é neutro, e o seu uso é menos neutro
ainda. A produção científica insere-se no conjunto dos interesses das
sociedades. E, frequentemente, é direcionada por verbas e financiamentos
vinculados aos objetivos dos grupos que exercem poder social.
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