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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Por que o Ateísmo? (1)


André Coelho*

Em relação à crença em Deus, concebem-se tradicionalmente três posições possíveis: 1) a do crente, que afirma a existência de Deus; 2) a do agnóstico, que nem afirma nem nega a existência de Deus; 3) a do ateu, que nega a existência de Deus. Vejamos cada uma delas.

1) O crente. A primeira das três posições é acreditar que Deus existe. Há basicamente três tipos de crente: 1.1) aquele que tem uma crença doutrinária e sólida, ou seja, que recebeu formação no seio de alguma religião estabelecida, assimilou bem suas doutrinas e acredita na verdade dessas doutrinas, sendo capaz de fundamentar suas posições religiosas com base nas verdades doutrinárias e estando disposto a viver em conformidade com elas; 1.2) aquele que tem uma crença doutrinária e vaga, ou seja, que se considera afiliado a alguma religião estabelecido, mas tem apenas um vago e frágil conhecimento das verdades doutrinárias dessa religião e persiste em sua crença mais por hábito que por convicção, recorrendo a Deus em momentos de forte culpa ou necessidade; 1.3) aquele que tem uma crença não doutrinária ou pessoal, ou seja, aquele que diz "não tenho religião, mas tenho religiosidade", que tem sua própria concepção do que é Deus (uma luz, uma energia, uma força, um sentimento interior, a prórpia natureza, o próprio universo etc.) e acredita nela à sua maneira. Em qualquer discussão séria, os crentes dos dois últimos tipos devem ser desconsiderados. Por isso, considerarei, para fins de discussão, apenas o crente do primeiro tipo, o que tem uma crença doutrinária e sólida.

2) O agnóstico. A segunda das três posições é não tomar partido na discussão sobre a existência ou inexistência de Deus, ficar numa posição intermediária, dizendo "não há provas definitivas de que sim, nem provas definitivas de que não". Essa parece ser, à primeira vista, a posição mais razoável para um não crente, porque de fato não é possível dar nenhuma prova conclusiva da não existência de Deus. Porém, rejeito o agnosticismo, por um motivo que direi mais abaixo.

3) O ateu. A terceira e última das três posições é negar a existência de Deus. Não conta como ateu quem apenas nega a existência do Deus cristão tal como apresentado pelas religiões estabelecidas, mas guarda uma convicção íntima numa força ou entidade qualquer que tenha criado ou dirija o universo - quem acredita nisso não é ateu, e sim o terceiro tipo de crente. Para ser ateu, é preciso crer que não existe nem Deus nem nenhum substituto pessoal ou new age para ele. Essa é a minha posição pessoal. Vou esclarecer por quê.

Vamos começar com a pergunta mais natural nesse contexto: Que razão há para acreditar que Deus existe? Isso nos conduz às chamadas "provas da existência de Deus". Tradicionalmente, essas provas são quatro: a prova ontológica, a prova causal, a prova cosmológica e a prova moral.

a) Prova ontológica . Consiste no seguinte: "Todos podemos formar a idéia de um ser que seja perfeito. Ora, um ser perfeito não seria perfeito se lhe faltasse a existência. Logo, se o ser é perfeito, não lhe falta a existência. Logo, o ser perfeito existe". Bom, em primeiro lugar, mesmo que esse argumento fosse válido, provaria apenas a existência de um ser perfeito, e não de Deus. "Ora, mas Deus é perfeito!", você diria. Sim, mas Deus não é o único ser perfeito concebível. É possível conceber um rio perfeito, um carro perfeito, um cachorro perfeito etc. Por isso, provar que existe um ser perfeito não é provar que existe Deus. Em segundo lugar, o argumento prova apenas que, se existisse um ser perfeito, então esse ser teria que existir, o que é óbvio. Não prova que esse ser de fato existe. Se não, poderia raciocionar assim: "Um rio (ou um carro, ou um cachorro etc.) perfeito não seria perfeito se lhe faltasse a existência; logo, um rio (ou um carro, ou um cachorro etc.) perfeito existe", o que é claramente falso, porque tais coisas não existem. A prova ontológica não prova coisa alguma.

b) Prova causal. Provavelmente, a mais popular de todas. É algo assim: "Tudo que existe tem uma causa; se existe o mundo, então o mundo tem uma causa; essa causa tem que ser algo que seja exterior e anterior ao mundo; esse algo é Deus". Ou pode tomar a forma regressiva: "Tudo que existe, tem uma causa, que por sua vez tem outra causa, e assim sucessivamente, até que se chegue a uma causa que não tem causa, que é Deus". Há problemas sérios com esse raciocínio. O primeiro problema é que, tal como, lá em cima, provar que existe um ser perfeito não é o mesmo que provar que existe Deus, da mesma maneira, agora, provar que existe uma causa primeira não é provar que existe Deus. Essa causa primeira poderia ser qualquer outra coisa. Em segundo lugar, esse argumento contém uma contradição teológica, pois, se estivesse certo, tornaria Deus a causa de todas as coisas, inclusive o bem e o mal, de modo que não haveria razão para recompensar quem faz o bem, pois a causa desse bem seria Deus, nem haveria razão para punir quem faz o mal, pois a causa desse mal seria Deus. Para que possa existir livre-arbítrio e responsabilidade, é preciso que nem todas as coisas sejam causadas por Deus. Em terceiro lugar, a premissa do argumento, que diz: "Tudo que existe tem uma causa", não é uma verdade evidente, é apenas uma constatação cotidiana em relação às coisas com as quais temos experiência no mundo. Sendo assim, a idéia seria "Tudo que existe no mundo tem uma causa no mundo". A idéia não pode ser estendida para falar de uma suposta causa do mundo. O que garante que o mundo tem uma causa? O que nos leva a acreditar nisso é apenas a idéia de que algo não ter uma causa é inconcebível, idéia que só temos porque todas as coisas no mundo têm uma causa. Nada nos autoriza a raciocionar sobre o mundo como se ele fosse uma das coisas no mundo.

c) Prova cosmológica. É algo assim: "O mundo é uma ordem; uma ordem não pode surgir do acaso; uma ordem só existe na medida em que existe uma inteligência que a organiza; logo, existe uma inteligência que organiza o mundo; essa inteligência é Deus". Novamente: em primeiro lugar, provar que existe uma inteligência ordenadora do mundo não é mesmo que provar que existe Deus. Em segundo lugar, não é verdade que toda ordem pressupõe uma inteligência organizadora. A seleção natural em biologia e as ligações atômicas em química são bons exemplos de como configurações ordenadas podem surgir sem a intervenção direta de nenhuma inteligência ou plano prévio. Assim, fica comprometida a premissa de que "uma ordem só existe na medida em que existe uma inteligência que a organiza". Quanto a uma ordem não poder surir do acaso, é verdade, mas isso não prova nada a favor da inteligência ordenadora, porque "acaso" e "inteligência ordenadora" não são as duas únicas opções possíveis. Há uma terceira opção: leis naturais, impessoais e sem propósito definido, que podem estruturar organizações perfeitamente ordenadas sem que nenhuma pessoa esteja dirigindo o processo o tempo todo.

d) Prova moral. É a última e mais fraca das provas. Pode assumir várias formas, com a característica comum de que todas elas dizem que Deus tem que existir, porque, se não existisse, as coisas seriam ruins em algum sentido. Pode ser assim: "Se não existir Deus, não haveria o certo e o errado", "Se não existir Deus, a vida não teria sentido", "Se não existir Deus, não há uma boa razão para viver", "Se não existir Deus, só existe o acaso". Bom, esse argumento é mesmo muito ruim, então não há muito o que comentar. Em primeiro lugar, o fato de que, se certa coisa não existir, as coisas serão piores não é uma prova de que essa coisa existe. Mesmo que fosse verdade que, sem Deus, não haveria certo e errado, a vida não teria sentido, não haveria razão para viver, só existiria o caso etc., nada disso provaria que ele existe. Mostraria apenas que a não existência de Deus acarretaria conseqüências indedejáveis. Em segundo lugar, é perfeitamente possível encontrar um referencial laico de certo e errado (como o respeito pelos direitos uns dos outros), um sentido laico para a vida (como o aperfeiçoamento da humanidade), uma razão laica para viver (como a felicidade, a sabedoria, o amor), uma negação laica do acaso (como a exitência de leis naturais).

Assim, nenhuma dessas supostas provas conseque provar coisa alguma sobre a existência de Deus. Mas tampouco o fracasso dessas provas chega a demonstrar que Deus não existe. Numa próxima postagem, mostro chego desse ponto ao ateísmo.


*29 anos. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará - UFPA (2005). Professor universitário de Filosofia do Direito, Teoria Geral do Estado, História do Direito e Introdução ao Estudo do Direito. Experiência docente no Centro Universitário do Pará (CESUPA), na Universidade da Amazônia (UNAMA) e na Faculdade de Castanhal (FCAT). Recentemente foi aprovado nos processos seletivos para o Mestrado em Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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